Reflexões

     

HUMANOS, consequentemente, INCOERENTES

           

           Até certo ponto da vida, as novidades caem no seu colo como folhas em um dia de outono. Depois, as coisas passam a se repetir e ficar esperando, reativo, pode ser bem tedioso.
              
              O problema é que a esta altura do campeonato, nos acostumamos em ser adaptativos e isso nos trás alguns benefícios como o fato de, na medida do possível, sermos coerentes. Achamos que isso garantirá um lugar ao sol dos confiáveis e previsíveis, e dessa forma, sermos aceitos.
          
              A coerência pode ser uma bela de uma máscara, que achamos que é nosso rosto, nos confundimos e ficamos surpresos quando surgem pensamentos e muitas vezes ações contrárias àquelas que julgamos como certa.

       Não quero fazer aqui uma apologia a incoerência e a confusão que ela trás, principalmente nas relações que estabelecemos e sim um convite para nos permitir sentir o que tiver que sentir e aprendermos a lidar com isso, com gentileza e compaixão com nós mesmos. Estou falando do que acontece internamente já que nem tudo será exposto e colocado em contato com o externo. Vale sim uma filtragem, inicialmente, simplesmente porque é NOSSO.

           Talvez o “certo” seja estarmos atentos as nossas mudanças, só que para isso acontecer, temos que agir como advogados de defesa de nos mesmos, nos dando o direito de permanecer calados, de não produzir provas contra nos mesmos e principalmente de nos considerarmos inocentes até que se prove ao contrário.

     Todo esse movimento “jurídico-emocional” acontece porque simplesmente somos HUMANOS!

        Humanos que são ambivalentes em seus sentimentos, complexos em seus desejos e possuem um imã que nos puxa para o desenvolvimento e evolução. Isso me parece inato (todos temos), porém, para ser acessado, ou melhor, para deixarmos acontecer, temos que nos atentar para o que impede que flua. Perdemos muito tempo nos preocupando como faremos para fluir sendo que isso acontecerá naturalmente se percebermos o que está impossibilitando o processo. Mas olhar pra isso é bemmmm difícil. Acho que muitas vezes empacamos nesse ponto exatamente por saber, consciente ou inconscientemente, que se fizermos o próximo movimento, aquelas folhas do outono (do início do texto) voltarão a cair e junto com elas as novas possibilidades que talvez só possam ser vividas por nosso eu INCOERENTE e consequentemente HUMANO. 

   
 Um Outro Olhar sobre o Bullying e Auto-Estima

          
         O bullying é o tema da “moda” e ao que parece, a possibilidade de existir uma palavra (americana) que condensa toda a problemática da auto-estima infantil nos conforta na simplificação de uma questão muito mais séria e complexa e isto é um dos grandes sinais de que muita coisa ainda deva ser discutida.


Ao longo do texto pretendo observar o fenômeno de outro ângulo, no que diz respeito à própria criança que sofreu esta violência e sua vivência em família. Na verdade, uma característica de comportamento que me chama bastante atenção nestas crianças é o SILÊNCIO.


O silêncio de quem sobre o bullying pode durar anos e a prática geralmente é percebida por professores, direção da escola ou mesmo pelos amigos. O principal motivo alegado para este silêncio é a VERGONHA. Quando se pergunta para a criança o porquê dela não ter se manifestado sobre as agressões, presume-se que por vergonha de se mostrar humilhada. Concordo que este motivo venha legitimar este tipo de reação e mais do que isso, conforta a família isentando-a da falta de percepção de possíveis mudanças de comportamento.


E se pensarmos que além da vergonha pode haver outro motivo escondido, talvez até da própria criança? Um motivo enraizado na estrutura da personalidade e que só é reforçado por ser o alvo NOVAMENTE de alguma percepção negativa. A família é por natureza, ou deveria ser, o lugar em que podemos nos refugiar, confiar e nos proteger de alguma coisa terrivelmente assustadora como a rejeição. Absolutamente, me parece uma questão de necessidade a criança buscar seus pais caso venha a “precisar” de tais sentimentos que poderiam amenizar e desconfirmar a rejeição sofrida.  Então, porque não o fazem? Porque sofrem sozinhas?


Esta falta de atitude e movimento da criança com relação a sua família talvez nos mostre que ela já carrega dentro de si uma percepção negativa, baixa auto-estima e solidão, que, portanto, só é confirmada pelo meio social nesse período escolar onde ocorre a socialização secundária.


O SILÊNCIO, nesse contexto, passa a ser o melhor amigo da criança ou no mínimo um lugar seguro e isento. Se não falamos ou não nos expressamos em uma situação que naturalmente faríamos é porque acreditamos que estamos sozinhos, que somos errados ou que somos “aquilo mesmo”. Só que isto não nasce com ninguém, isto é percebido (erroneamente ou não) pela criança, mas é percebido. Não acredito que ficar tentando achar os culpados resolva alguma coisa. O fato aqui é o sentimento. Não o certo ou errado.


Acredito que o Bullying é um fenômeno secundário que confirma, legitima e certifica algo que ela já vinha sentindo e pelo fato de já carregar dentro de si este “imã negativo” atrai as práticas contra ela, provavelmente provocando a necessidade daquilo que elas menos podem fazer: reagir.


Por isso, para quebrar este circulo vicioso negativo, temos (nós, adultos) que sair de nossa zona de conforto, que estas definições patológicas trazem e ao invés de responsabilizar a criança por não ter falado, reagido ou até mesmo as outras crianças por terem praticado, se perguntar o porquê ela não falou.


Sendo assim, refaço a pergunta: Porque, afinal, meu filho, meu aluno, aquela criança não veio me procurar?  


Fabio Roberto Amadelli